Recife (PE) - Desde o tempo em que
trabalhei no rádio, aprendi que uma entrevista nem sempre deve começar pelo que
mais interessa. Pois existiria depois o que se chama edição, onde o fundamental
que interessava à pauta assumiria o devido lugar de destaque. Assim fizemos em
mais de um Violência Zero, esse era o nome do programa, um espaço de direitos
humanos no rádio, que então denunciava os criminosos da boa sociedade em
Pernambuco.
Mas nunca, nem mesmo no
dia em que entrevistamos um espancador de travestis, que afirmava na maior
naturalidade odiar gays e assemelhados, nunca tratamos o agressor com
desrespeito à sua pessoa, ou dele montamos o que não era real, documentado, em provas
e pesquisas anteriores. Isso quer dizer, não lhe púnhamos na boca aquilo que o
editor pensara antes, pois mais de uma vez mudamos o imaginado, que não se
confirmava na pesquisa viva.
Que diferença para a entrevista de Patrícia Poeta com a
presidenta Dilma no Fantástico do último domingo! A primeira coisa a se notar,
já no começo, é a diferença de autoridade entre a repórter/apresentadora e a
presidenta do Brasil. Entendam o que isso quer dizer: quem mandou em cena foi
Patrícia, perdão, Poeta. “Agora vamos trabalhar?”, comandou a moça cuja poesia reside nos
longos cabelos. A edição preservou o constrangimento, a clara insinuação de que
a presidenta não estivesse já trabalhando, exatamente para responder à
grande autoridade da apresentadora do Fantástico. Que comandava e cruzava os
braços.
Quem essa gente pensa que é? Aqui se confirma uma vez mais a
história do carregador de quadros de santos em cima de jumento, que ao passar
pelas estradas via o povo se ajoelhar e pensava “o quanto sou importante”. Quem
monta no veículo tv globo recebe a sua aura. Patrícia manda na presidenta, e a
edição realça o mando mais adiante em outro momento. Olhem bem, prestem
atenção, porque a fala a seguir é da Poeta: “Vou deixar a senhora falar um segundo exemplo. Tomei seu tempo lá
na alvorada, a senhora tem crédito agora. Vou deixar”. Sentiram a
força?
Antes, da autoridade, Patrícia Poeta, vêm muitas bobagens
(lembram-se do princípio de edição?), todas desrespeitosas para o cargo e
importância da primeira mulher a presidir o Brasil, mulher ex-guerrilheira,
torturada e quase morta na ditadura. Pergunta a autoridade do veículo: “ Em uma reunião dessas, por
exemplo, tem um momento mais mulher? Bolsa, sapato, filho, neto?”,
e segue, entre menções a fotos de netinho, até atingir o que interessa:
“Poeta: A senhora não imaginava, por
exemplo, que fosse ter que trocar quatro ministros em tão pouco tempo, três
deles, pelo menos, ligados a denúncias de corrupção, esperava isso?
Dilma: Olha, Patrícia, eu espero nunca
trocar nenhum ministro e muitos deles eu não troquei exatamente por isso. Vamos
e venhamos. O ministro Jobim, Nelson Jobim, saiu por outros motivos.
Poeta: Mas os outros três...
Dilma: Eles ainda não foram julgados,
então não podem ser condenados”.
Até o sublime instante em
que se irmanam editores e repórteres ungidos pelo poder do veículo. Lembrem-se
do princípio da edição, o que conduz bobagens até chegar a este ponto:
“E como
que a senhora controla esse toma lá da cá, digamos assim, cada vez mais sem
cerimônia das bancadas? Como é que a senhora faz esse controle?
Dilma: Você me dá um exemplo do ‘da
cá’ que eu te explico o ‘toma lá’’.
Vem um curto silêncio na
cena da entrevista. O ar não admite buracos, mas ainda assim há um raivoso e
perturbado silêncio. Então volta a verdadeira autoridade, que ali chegou por
decisão soberana de todo o povo do Brasil:
“Estou brincando contigo.... Vou te explicar. Eu não dei nada a
ninguém que eu não quisesse. Nós montamos um governo de composição. Caso ele
não seja um governo de composição, nós não conseguimos governar. A minha base
aliada, ela é composta de pessoas de bem. Ela não é composta, não é possível
que a gente chegue e diga o seguinte: ‘Olha, todos os políticos são pessoas
ruins’”.
A autoridade que vem do veículo onde monta, a cara da
entrevistadora Patrícia Poeta é
de morder, apesar de palavras em tom de meiga manteiga. Não há mais um
morde e assopra. Há um morde e assobia. Quem desejar ver a pegadinha que se
frustrou, olhe aqui ( Veja o vídeo )
Se houvesse uma edição popular, de toda a entrevista esta frase
seria a mais séria: “Tou
brincando contigo”. E
os risos do Brasil ao fundo, que no rádio chamavam BG.
Sobre o autor deste artigoUrariano Motta - Recife
É pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.
É pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.
Fonte: Direto da Redaçao
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